Quando o ciúme se manifesta de forma excessiva, ele se torna um problema sério, que coloca em risco o relacionamento.
Mais do que isso: ele pode resultar em atitudes que comprometem a saúde mental e, em certos casos, também a integridade física dos parceiros.
Na realidade, uma vez que o ciúme se mostra uma constante no relacionamento, a própria natureza da relação perde o sentido.
Afinal, desconfiança, intimidação e tentativas de controle são radicalmente opostas ao que se espera de um convívio afetivo saudável e prazeroso.
Em casos de ciúme crônico, a terapia pode ser muito útil.
Neste texto, indicamos como a terapia cognitivo comportamental (TCC) aborda o problema.
Importante esclarecer que, embora ofereça informações que devem auxiliar no melhor entendimento e gerenciamento dos ciúmes, este artigo não tem o objetivo de substituir o tratamento que só um psicólogo pode fornecer.
Portanto, considere procurar um profissional para obter ajuda específica para a sua situação.
Passo 1: Aceite e valide o ciúme
Pode parecer estranho sugerir que o primeiro passo para aprender a lidar com o ciúme seja aceitá-lo e validá-lo.
Ora, se desejamos nos “livrar” desse sentimento, não seria o caso de seguir no caminho oposto? Como aceitar e validar uma emoção pode ajudar na superação do problema?
Bem, a verdade é que nenhuma de nossas emoções é errada. E insistir num caminho de recusa — não aceitando aquilo que sentimos — apenas nos distancia da resolução do problema.
Portanto, antes de qualquer outra medida, entenda que é importante respeitar e permitir a experiência de qualquer emoção — inclusive, o ciúme.
Saiba que o ciúme é uma experiência universal — todas as pessoas (e até mesmo animais) podem senti-lo.
De acordo com a teoria evolucionária, ele pode ser uma resposta à percepção de ameaças. Logo, pode resultar do valor que damos ao nosso relacionamento. Não queremos correr o risco de perder aquela pessoa, que tanto valorizamos. Por isso, nos preocupamos com qualquer situação que possa ameaçar a relação.
Em outras palavras: é normal sentir ciúmes. Não se puna por isso.
Contudo, aceitar e validar seus sentimentos é diferente de ser um refém do ciúme.
Com a terapia cognitivo comportamental, você vai entender que é possível lidar com emoções desagradáveis, de forma saudável, modificando a forma como nos comportamos diante delas.
Leia também: Como diminuir a ansiedade usando dicas de TCC.
Passo 2: Considere o que você tem a ganhar (e perder) ao adotar novas atitudes frente ao ciúme
Mudar a forma como nos comportamos é sempre um desafio. E, se não temos motivos claros para a mudança, nos comprometemos muito pouco com o processo.
Dificilmente você terá sucesso num tratamento para os ciúmes — ou qualquer outra condição que esteja prejudicando a sua vida, como irritabilidade, ansiedade ou depressão — enquanto não avaliar os custos e benefícios da manutenção dos seus comportamentos habituais.
A sugestão, aqui, é que você faça uma lista (honesta), onde escreva o que tem a ganhar e a perder ao continuar com sua forma atual de lidar com os ciúmes.
Por exemplo, é comum que os ciúmes excessivos façam com que uma pessoa tenha um comportamento hipervigilante para com o parceiro. Em função de interrogatórios intermináveis, ameaças, punições e preocupação constante com traições, muitas brigas conjugais costumam ocorrer.
Por outro lado, quem sente ciúme tende a interpretá-lo como uma espécie de precaução. Ao estar sempre alerta ao perigo, acredita que protege o relacionamento.
Mas o que, de fato, o ciúme traz ao dia a dia do seu relacionamento?
Reflita sobre os prós e contras do ciúme. É a sua percepção do quanto ele prejudica suas relações que irá mantê-lo motivado a assumir novas atitudes.
Passo 3: Identifique suas emoções
Em terapia cognitivo comportamental, entendemos que nossos pensamentos, emoções e comportamentos estão conectados.
Logo, se desejamos alterar nossas respostas aos pensamentos que nos fazem sentir ciúmes, devemos aprender a observar o que acontece conosco quando enfrentamos esse tipo de situação.
Geralmente, o ciúme desencadeia, no corpo, sintomas que ocorrem em momentos de estresse e ansiedade.
Sendo assim, ao identificar a emoção, você poderá notar que seus batimentos cardíacos estão acelerados, sua respiração está rápida e superficial, além de perceber outros incômodos físicos.
Será difícil assumir o controle de seus pensamentos — procurando pensar com mais clareza e serenidade — enquanto você permanecer agitado.
Por isso, ao identificar os sinais do ciúme, é importante que você, primeiro, se concentre em relaxar seu corpo.
Realize exercícios de respiração profunda, para atenuar os sintomas físicos. Conforme você modifica a disposição de seu corpo, ficando mais calmo e relaxado, poderá observar e gerenciar melhor seus pensamentos e emoções.
Passo 4: Avalie seus pensamentos ciumentos
Temos milhares de pensamentos, todos os dias. Nossas mentes elaboram possibilidades, hipóteses, interpretações. Mas você sabe, por experiência própria, que muitas dessas previsões ou constatações não se confirmam.
Ou seja, não é porque pensamos em alguma coisa que isso seja verdade.
Pensamentos são ideias, não fatos.
Porém, às vezes, parecemos esquecer dessa distinção.
E isso acontece, com frequência, quando manifestamos ciúmes.
Damos muito crédito aos pensamentos ciumentos porque eles soam como um “alarme”. Atribuímos importância a eles e, assim, permitimos que se repitam e se desenvolvam.
Como os pensamentos ciumentos ganham nossa atenção, nos sentimos impelidos a agir de acordo com eles, deixando de lado o raciocínio lógico.
Veja, ao buscar lidar com o ciúme usando estratégias de TCC, você não será incentivado a “se livrar” de seus pensamentos. Você pode tê-los, sem se sentir culpado. O que você precisa aprender é tratar os pensamentos pelo que eles são (meras hipóteses), e não como “mensageiros da verdade”.
Nesse ponto, uma dica é começar a avaliar seus pensamentos ciumentos questionando se eles trazem preocupações produtivas ou improdutivas.
Ou seja, existem evidências concretas de que o ciúme se justifica? Por exemplo, o parceiro mentiu sobre uma situação? Então, o ideal é conversar a respeito e buscar uma solução para o problema.
Nesse caso, a preocupação pode ser considerada produtiva, porque possibilita uma ação igualmente produtiva, que contribui para a saúde do relacionamento.
Contudo, em geral, ao analisar o pensamento ciumento você perceberá que não existem fatos para embasá-lo. Ele tende a ser uma especulação negativa, uma acusação sem provas, que gera conflitos infundados.
Nessas situações, tudo o que a preocupação pode gerar são comportamentos que, longe de trazer melhor entendimento entre os parceiros, acabam ameaçando a estabilidade da relação.
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Passo 5: Aprenda a reconhecer padrões de pensamentos que alimentam o ciúme
A terapia cognitivo comportamental aponta alguns tipos de “erros de raciocínio” que cometemos com frequência — e que nos causam sofrimento desnecessário.
Tais erros estão relacionados a diversos problemas, que atrapalham nosso bem-estar e alimentam emoções desagradáveis. Dentre esses problemas, podemos incluir os ciúmes.
Saber um pouco mais sobre esses erros de raciocínio — ou melhor, distorções de pensamentos — pode te ajudar a reconhecer as armadilhas nas quais sua mente faz você cair, resultando nas preocupações improdutivas e comportamentos ciumentos, dos quais você quer se distanciar.
Então, vamos apresentar exemplos de padrões de pensamentos bastante comuns, relacionados ao ciúme excessivo. Veja se você se identifica com alguns deles:
Leitura da mente
Essa distorção de pensamento te leva a acreditar que você tem a capacidade de saber o que se passa na mente alheia.
Por exemplo: “Meu parceiro está apaixonado por outra pessoa.”
Adivinhação
Bastante conectada às preocupações improdutivas, a adivinhação faz com que você imagine eventos futuros, como se pudesse prevê-los.
Por exemplo: “Meu parceiro irá me trair.”
Catastrofização
Tendência a considerar que, se alguma coisa ruim acontecer, o desfecho da situação seria terrível.
Por exemplo: “Se o meu parceiro me deixar, minha vida perderá o sentido.”
Hipergeneralização
A hipergeneralização é um erro de raciocínio que implica em tomar uma experiência como referência para todas as demais.
Por exemplo: “Ninguém é realmente confiável.”
Pessoas ciumentas podem ter medo de ser traídas porque já passaram por essa situação, no passado.
Mas, como você pode concluir, não é porque algo desagradável aconteceu uma vez que isso tende a se repetir, em histórias com outras pessoas.
Na realidade, todas as distorções de pensamento que listamos aqui são irracionais, porque partem de premissas inviáveis.
No caso da leitura de mente, sabemos que não dispomos desse “poder”. As pessoas não sabem o que se passa na sua cabeça — e você, de igual modo, não consegue ler os pensamentos de ninguém.
Tudo o que você pode conhecer são os seus próprios pensamentos!
Então, não espere que a leitura mental seja um bom indicativo da realidade.
O mesmo ocorre quando falamos em adivinhar o futuro. Não se trata de uma habilidade real. Tudo o que você consegue, ao se dedicar às adivinhações, é se distanciar do que está vivendo, no presente, cultivando preocupações e ansiedade.
Já a catastrofização, ao pressupor consequências desastrosas, não se confirma quando buscamos evidências de sua possível realidade. É claro que o fim de um relacionamento ou uma traição são circunstâncias que causam sofrimento. Mas, se você observar sua história de vida, bem como a história de outras tantas pessoas que conhece, verá que, após um tempo, conseguimos superar a dor.
A vida não acaba quando um relacionamento não dá certo. Até porque você tem outras relações, outras formas de obter felicidade, realização e motivação.
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Passo 6: Verifique suas estratégias de enfrentamento
Como você reage ao sentir ciúmes? De que forma você lida com a emoção?
Muitas vezes, o ciúme se torna um problema porque tentamos resolvê-lo adotando comportamentos controladores.
Esses comportamentos têm como objetivo trazer segurança e afastar as ameaças ao relacionamento. Porém, seu efeito costuma ser exatamente o contrário.
É comum que o comportamento ciumento seja o verdadeiro responsável pelo desgaste e término de uma relação afetiva.
Comportamentos destrutivos e improdutivos que você observar e evitar incluem:
- Ruminar (ficar remoendo) pensamentos ciumentos (como aqueles que listamos anteriormente).
- Depreciar o parceiro ou outras pessoas por quem ele, supostamente, poderia se interessar.
- Ameaçar se machucar (ou ferir alguém), caso ele se interesse por outra pessoa.
- Limitar o contato do parceiro com amigos e colegas de trabalho.
- Fazer interrogatórios.
- Verificar, constantemente, as redes sociais do parceiro, para saber como e com quem ele se comunica.
- Impedir que ele faça coisas sozinho (ou demonstrar contrariedade quando isso acontece).
- Seguir o parceiro.
- Acusar de traição e desonestidade.
Enfim, qualquer comportamento que represente uma estratégia de controle da outra pessoa deve ser encarado como prejudicial.
Então, como agir de forma positiva e conseguir controlar os ciúmes?
Vamos conversar sobre isso no próximo tópico.
Leia também: Agressão verbal: o que é gaslighting e mansplaining?
Passo 7: Desenvolva habilidades que permitam o aprimoramento da relação
O fato de você ter sentimentos e pensamentos de ciúme não significa que você deve agir de acordo com eles.
Lembre-se, você não precisa parar de ter ciúmes. Esse não seria um objetivo plausível ou desejável, já que todas as emoções (agradáveis ou não) são naturais.
Mas você sempre tem a opção de escolher como irá lidar com os pensamentos e sentimentos que vivencia.
E já que o ciúme tende a se manifestar porque você aprecia a pessoa com quem está — e não quer perdê-la — não seria mais produtivo investir em comportamentos que fortaleçam a relação?
Por exemplo, é saudável conversar sobre o que você (e seu parceiro) entendem por compromisso e limites pessoais. O que você vê como sinônimo de companheirismo e fidelidade pode ser diferente do que seu parceiro interpreta. Procure ser claro sobre suas expectativas. E tenha abertura para ouvir as expectativas da outra pessoa.
Aprender a escutar, ativamente, com empatia, é outra habilidade fundamental para que o relacionamento seja saudável.
Se houver algum problema, expresse seu desconforto. Abandonar comportamentos ciumentos não implica em deixar de expressar suas insatisfações. Afinal, não existem relacionamentos perfeitos, onde os casais estão em sintonia 100% do tempo. Divergências e conflitos são normais. Mas você pode adotar uma postura que visa resolver o problema, de forma produtiva, sem usar de estratégias que envolvam ameaças, punições ou acusações.
Por fim, há um recurso, utilizado em terapia cognitivo comportamental, que você pode experimentar. Trata-se do “rastreamento positivo”, que consiste na observação (e registro) de comportamentos que seu parceiro manifesta e que você valoriza.
Durante uma ou duas semanas, procure ficar mais atento às atitudes positivas do seu parceiro. O ciúme pode nos levar a ignorar inúmeras demonstrações de afeto, que podem nos trazer muito mais segurança do que qualquer estratégia de controle.
Aprenda a observar pequenas coisas. A atenção que seu parceiro dá às suas preferências, o interesse em saber como foi seu dia de trabalho, a ajuda que oferece nas tarefas do dia a dia…
E, ao notar essas demonstrações de afeto, reconheça e expresse sua satisfação.
Lógico, é esperado que, em um relacionamento, os parceiros se comportem de forma positiva. Mas, às vezes, as pessoas deixam de perceber essas ações e se fixam, exclusivamente, nos aspectos negativos da relação.
Portanto, desafie-se a mudar seu foco e, em vez de procurar motivos para duvidar do seu parceiro, perceba onde seu carinho e respeito se revelam.
Texto produzido a partir de artigos e do livro “A cura do ciúme”, publicados pelo psicólogo Robert L. Leahy, diretor do Instituto Americano de Terapia Cognitiva em Nova York.
Luana Nodari
Psicóloga na Vila Mariana
Atende adolescentes e adultos,
através da Terapia Cognitivo-Comportamental
CRP: 06/112356