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Positividade tóxica: quando o pensamento positivo vira uma obrigação

Positividade tóxica nega a tristeza e outras emoções consideradas negativas.
A positividade tóxica rejeita a tristeza e outras emoções consideradas negativas.

Entender o que é positividade tóxica pode mudar sua perspectiva sobre pensamentos positivos — e negativos.

Neste texto, compartilhamos alguns insights sobre o assunto.

Confira, reflita, questione.

Depois, deixe sua opinião no campo de comentários, no final deste post.

Será excelente contar com sua contribuição para continuarmos a conversa!

O que é positividade tóxica

A positividade tóxica é caracterizada pela obsessão com o pensamento positivo. É uma espécie de felicidade obrigatória, na qual as emoções difíceis devem ser descartadas sem demora.

Lógico, a mentalidade otimista traz inúmeros efeitos benéficos. É realmente importante tê-la como meta.

Porém, otimismo não deve ser confundido com rejeição da realidade.

Quando escolhemos o pensamento positivo como uma forma de fugir de problemas, encobrir sentimentos ou negar as (inevitáveis) oscilações do bem-estar, estamos, na verdade, transformando o remédio em veneno.

Positividade tóxica e redes sociais

Talvez o excesso de otimismo — por assim dizer — pudesse ser logo percebido como um equívoco (ou cegueira voluntária) num contexto cultural diferente do que estamos vivendo.

Mas, com a celebração da felicidade ininterrupta nos alcançando minuto a minuto, fica difícil ter esse poder de discernimento.

Especialmente nas redes sociais, a positividade tóxica é bastante frequente.

Ninguém tem preguiça, problemas financeiros ou questões mal resolvidas com a autoestima.

Todos são vencedores.

Com a pandemia de Covid-19 — e os desafios que vieram com ela — essa imagem de vida perfeita atingiu um novo patamar. 

Uma onda de produtividade e resiliência automática se impôs como resposta às tantas incertezas, medos e tristezas.

As pessoas pareciam saber “aproveitar” o tempo de isolamento, de forma exemplar.

Uma postura invejável?

Um ideal a ser perseguido?

De acordo com especialistas, não é bem assim… 

Em entrevista à CNN Brasil, o psiquiatra Daniel Martins de Barros alerta sobre os perigos da positividade compulsória:

“Trata-se de um fenômeno de negação da tristeza e de outras emoções consideradas negativas… Se ignoramos esses sentimentos, passamos a ter dificuldade de acessá-los, até o ponto de não conseguirmos mais identificá-los. Só que eles continuam lá e em algum momento explodem em forma de adoecimento psicológico.”

Ou seja, pelo bem de sua saúde mental, comece a aceitar que nem tudo precisa estar bem. É normal se sentir cansado, frustrado, descontente com aspectos da vida. 

Você não está doente — nem errado — porque se sente mal às vezes. 

As sensações de desconforto só devem ser interpretadas como nocivas quando se manifestam na maior parte do tempo (ou quando a experiência é intensa a ponto de impedir dinâmicas do dia a dia).

Com a positividade, é o mesmo. Ela se torna tóxica quando se transforma num imperativo.

Sinais e exemplos de positividade tóxica

Atitude positiva ou positividade tóxica? Pode ser difícil perceber a diferença, principalmente quando estamos cercados por discursos que nos instigam a buscar o lado bom de qualquer evento.

“O pensamento positivo é uma indústria lucrativa de vários bilhões de dólares. O Segredo — um exemplo do cânone do pensamento positivo, endossado pela Oprah — vendeu mais de 30 milhões de cópias até hoje. As pesquisas no Pinterest por ‘citações positivas para viver’ aumentaram 279% entre 2019 e 2020. E ainda nem discutimos as inúmeras palestras motivacionais, manifestos de pensamento positivo e influenciadores evangelizadores que lotam livrarias, salas de conferências e mídias sociais.” — Ryan Sng

Mas a diferença entre atitude positiva e positividade fake existe, esteja certo disto.

Para deixar essa noção mais clara, vamos indicar formas e sinais de positividade tóxica, que você deve observar (e evitar).

Confira os exemplos a seguir:

1. Ver o pensamento positivo como solução para tudo

“O outro lado da positividade é, portanto, uma dura insistência na responsabilidade pessoal: se o seu negócio fracassar ou seu emprego for eliminado, deve ser porque você não se esforçou o suficiente, não acreditou com firmeza na inevitabilidade do seu sucesso.” — Barbara Ehrenreich

Existem circunstâncias externas, que você não controla. 

Existem outras habilidades — além de autoconfiança e otimismo — que podem (e devem) ser usadas como estratégia de enfrentamento.

O pensamento positivo, por si só, não tem capacidade de ditar nosso desempenho — nem nossa “sorte”.

Atribuir à positividade a responsabilidade de consertar — e dirigir — tudo, é uma forma de ignorar outras soluções (que podem ser mais difíceis, trabalhosas, mas são mais efetivas).

2. Considerar que “tudo acontece por uma razão”

Não se force a tirar “lições edificantes” de eventos traumáticos. 

“O desejo de uma experiência mais positiva é em si uma experiência negativa. E, paradoxalmente, a aceitação da experiência negativa de alguém é, em si, uma experiência positiva.” — Mark Manson

3. Aconselhar “ver o lado bom” diante de problemas

positividade tóxica frases
Há uma série de frases clichês associadas à positividade tóxica. O conselho de buscar o “lado bom”de situações ruins é um exemplo.

Quando agimos dessa forma, estamos com boas intenções, sem dúvida. Queremos trazer algum consolo, sugerir uma forma de recuperar a alegria.

Mas, diante da dor do outro, o melhor que temos a fazer é exercitar a empatia.


Que tal se familiarizar um pouco mais com a noção de empatia e obter dicas para colocá-la em prática no seu dia a dia? Leia o texto Por que é importante termos empatia, disponível aqui no blog.

4. Esperar demais de “fórmulas” de autoajuda

A positividade tóxica também pode estar presente em conteúdos que consumimos, na tentativa de encontrar um “modelo de felicidade”, pronto para seguir.

“Parte do problema com o pensamento positivo, e muitas abordagens relacionadas à felicidade, é exatamente esse desejo de reduzir as grandes questões a truques de autoajuda de tamanho único ou planos de dez passos.” — Oliver Burkeman

5. Confundir autoconfiança com positividade absoluta

Pensamentos negativos fazem parte de qualquer conversa interna. O excesso é que prejudica. Assim como a imposição de uma perspectiva sempre otimista.

“Em outras palavras, requer um autoengano deliberado, incluindo um esforço constante para reprimir ou bloquear possibilidades desagradáveis ​​e pensamentos ‘negativos’. Os verdadeiramente autoconfiantes, ou aqueles que de alguma forma fizeram as pazes com o mundo e seu destino dentro dele, não precisam se esforçar para censurar ou controlar seus pensamentos.” — Barbara Ehrenreich


Você encontra outras considerações sobre o tema no texto Como desenvolver autoconfiança. Basta clicar no link para acessar a leitura.

6. Fugir de emoções difíceis

“Tudo que vale a pena na vida é conquistado pela superação da experiência negativa associada. Qualquer tentativa de escapar do negativo, de evitá-lo, anulá-lo ou silenciá-lo, só sai pela culatra. 

Evitar o sofrimento é uma forma de sofrimento. Evitar a luta é uma luta. A negação do fracasso é um fracasso. Esconder o que é vergonhoso é, em si, uma forma de vergonha. 

“A dor é um fio inextricável na trama da vida, e arrancá-la não é apenas impossível, mas destrutiva: tentar arrancá-la desfaz tudo o mais com ela.” — Mark Manson

7. Descartar percepções incômodas

“Ser capaz de tolerar sentimentos negativos pode ser crucial para uma ampla variedade de situações da vida: adiar a gratificação, aprender com as experiências ruins, realmente ouvir o que outras pessoas têm a dizer e avaliar nossas próprias circunstâncias, riscos e oportunidades.” — Julie K. Norem

8. Rotular pessoas que expressam opiniões críticas

“O que significaria na prática eliminar todas as ‘pessoas negativas’ de sua vida? Pode ser uma boa atitude separar-se de um cônjuge cronicamente resmungão, mas não é tão fácil abandonar a criança chorona, o bebê com cólica ou o adolescente taciturno. E no local de trabalho… existem outras pessoas irritantes, que podem realmente ter algo útil a dizer: o diretor financeiro que fica preocupado com a exposição das hipotecas do banco ou o executivo automotivo que questiona o superinvestimento da empresa em SUVs e caminhões. Elimine todos os que o ‘derrubam’ e você corre o risco de ficar muito sozinho ou, o que é pior, isolado da realidade.” — Barbara Ehrenreich

Assim como não é aconselhável simplesmente subtrair pessoas críticas do seu convívio, ou se esquivar de conversas menos prazerosas (mas necessárias), também é importante compreender a função da autocrítica em sua vida.

Ou seja, se, por um lado, o excesso de autocrítica causa transtornos, por outro lado, a ausência de autoavaliação também é prejudicial.

Como encontrar um meio-termo saudável?

Veja algumas dicas práticas no texto Como lidar com a autocrítica.

9. Esconder os verdadeiros sentimentos

“A pesquisa agora mostra que a aceitação radical de todas as nossas emoções, mesmo as difíceis e complicadas, é a pedra angular para a resiliência, prosperidade e felicidade verdadeira e autêntica.” — Susan David


Susan David, autora da citação que destacamos acima, é psicóloga e professora da Escola de Medicina de Harvard. 

Em seu livro “Agilidade emocional: abra sua mente, aceite as mudanças e prospere no trabalho e na vida” ela revela o que constatou após mais de 20 anos de trabalho, dedicados à pesquisa e estudos sobre emoções.

A Dra. Susan David também debate a questão da agilidade emocional em sua palestra no TED Talk, intitulada “O dom e o poder da coragem emocional”. 

10. Pretender positividade inabalável ao lidar com doenças

“A incapacidade de pensar positivamente pode pesar sobre um paciente com câncer como uma segunda doença.” — Barbara Ehrenreich

11. Associar autoestima saudável com ausência de insatisfações 

Há positividade tóxica quando nos impomos um filtro cor-de-rosa ao avaliarmos nossas ações, características e comportamentos.

“Tendemos a supor que ter uma autoestima elevada é uma coisa boa, mas alguns psicólogos há muito suspeitam que pode haver algo errado com toda a noção — porque ela se baseia na suposição de um eu unitário e facilmente identificável. 

Determinar-se a dar a si mesmo uma avaliação universal positiva pode, na verdade, ser profundamente perigoso. 

O problema está no fato de que você está entrando no jogo de autoavaliação; implicitamente, você está assumindo que é um único eu, que pode receber uma nota universal. 

Quando você se avalia muito bem, na verdade, cria a possibilidade de se avaliar mal; você está reforçando a noção de que você mesmo é algo que pode ser ‘bom’ ou ‘mau’ em primeiro lugar. E isso sempre será uma supergeneralização absurda. 

Você tem pontos fortes e fracos; você se comporta de maneiras boas e ruins.

Sufocar todas essas nuances com uma noção geral de autoestima é uma receita para o sofrimento.” — Oliver Burkeman


Conteúdo relacionado: Perfeccionismo: características que você deve considerar

12. Sentir culpa ou vergonha ao experimentar emoções negativas

“Nenhuma mente na terra com qualquer tipo de inteligência poderia passar a vida inteira desfrutando apenas de pensamentos felizes. A chave está em aceitar seus pensamentos, todos eles, mesmo os ruins. Aceite os pensamentos, mas não se torne eles. 

Entenda, por exemplo, que ter um pensamento triste, mesmo tendo uma sucessão contínua de pensamentos tristes, não é o mesmo que ser uma pessoa triste.” — Matt Haig

A “regra” descrita acima se aplica, igualmente, a outros pensamentos e emoções — como raiva, desesperança, inveja… 

Não se torture por ser acometido por pensamentos negativos! Mas busque ajuda se perceber que eles estão dominando seu dia a dia.

13. Entender a felicidade como obrigação 

“O esforço para se sentir feliz muitas vezes é exatamente o que nos torna infelizes. E que são os esforços constantes para eliminar o negativo — insegurança, incerteza, fracasso ou tristeza — que é o que nos faz sentir tão inseguros, ansiosos, incertos ou infelizes.” — Oliver Burkeman

14. Não refletir sobre experiências ruins

“Muito do que experimentamos como força vem de saber o que fazer com a fraqueza.” — Barbara Ehrenreich

Em contrapartida à positividade tóxica — que se traduz no esforço de ignorar o que nos perturba, causa desconforto ou expõe nossas vulnerabilidades — temos a opção de buscar a verdadeira resiliência.

Selecionamos 13 dicas para se tornar mais resiliente, que você pode gostar de conhecer.

15. Querer apressar o processo de luto 

“Pessoas enlutadas que fazem o máximo para evitar sentir tristeza, sugerem as pesquisas, demoram mais para se recuperar de sua perda.” — Oliver Burkeman


Se você quiser oferecer alguma ajuda a alguém que está passando pelo processo de luto — ou se é você quem está vivenciando uma situação de perda — sugerimos a leitura do texto Como lidar com a dor do luto

Não se trata de um texto que tenha a proposta de ensinar como eliminar a dor. Mas, sim, um breve apanhado de atitudes e reflexões, que podem ser bem-vindas em um momento tão difícil.

16. Encarar o sofrimento como antinatural 

“Sofremos pela simples razão de que o sofrimento é biologicamente útil. É o agente preferido da natureza para inspirar mudanças. Evoluímos para sempre conviver com um certo grau de insatisfação e insegurança, porque é a criatura levemente insatisfeita e insegura que vai fazer mais trabalho para inovar e sobreviver.” — Mark Manson

17. Ver prudência como sinal de pessimismo

Um pouco de desconfiança faz bem.

Além disso, ser prudente, atento aos riscos, não nos torna negativos nem elimina a capacidade de sermos espontâneos.

O que devemos ter em mente é que, se nos guiamos pela positividade tóxica, simplesmente deixamos de dar atenção a alertas que, de outro modo, nos protegeriam de golpes e decisões equivocadas, por exemplo.

“Também nas questões do coração, um certo nível de negatividade e suspeita é universalmente recomendado. Você pode tentar projetar uma perspectiva totalmente positiva para atrair um namorado em potencial, mas também é aconselhável procurá-lo no Google.” — Barbara Ehrenreich

18. Cogitar apenas o melhor resultado 

Confrontar o pior cenário retira muito do seu poder de induzir a ansiedade. A felicidade alcançada por meio do pensamento positivo pode ser passageira e frágil, a visualização negativa gera uma calma muito mais confiável.” — Oliver Burkeman

“A tranquilidade pode até exacerbar a ansiedade: quando você tranquiliza seu amigo de que o pior cenário que ele teme provavelmente não ocorrerá, você inadvertidamente reforça a crença dele de que seria catastrófico se acontecesse. Você está apertando a espiral de sua ansiedade, não a afrouxando.” — Oliver Burkeman


Leia também: Ansiedade: sintomas, causas e tratamentos

19. Minimizar experiências ruins com a ideia de que “poderia ser pior”

Esse tipo de pensamento pode até ser útil — quando escapamos de uma consequência mais desastrosa (um acidente de carro, sem maiores danos, por exemplo). Nesse caso, a ideia de que “poderia ser pior” tem o intuito, não apenas de suavizar a situação, mas, também, servir como um alerta para evitar comportamentos de risco no futuro. Ou observar, com mais atenção, medidas de precaução.

Porém, quando a expressão é usada com o objetivo de esvaziar o valor da experiência… Aí estamos negando a realidade.

“Quando colocamos de lado as emoções normais para abraçar a falsa positividade, perdemos nossa capacidade de desenvolver habilidades para lidar com o mundo como ele é, não como desejamos que seja.” — Susan David

20. Invalidar o sofrimento de outras pessoas

Não sugira que a pessoa “siga em frente”. Não recrimine a dor e a vulnerabilidade do outro. Não estabeleça comparativos entre diferentes tipos de infortúnios.

“O trauma psicológico de perder um emprego pode ser tão grande quanto o trauma de um divórcio.” — Barbara Ehrenreich

Não se preocupe em oferecer soluções ou conselhos sábios.

Diante de alguém que está sofrendo, não importa o motivo, ofereça seu respeito. Seu abraço. E até mesmo seu silêncio. Afinal, saber ouvir (sem julgamentos) é uma habilidade inestimável.

Permita que a pessoa se expresse e encontre seu tempo de superação.

Do mesmo modo que você deve ter paciência com o seu próprio processo de resiliência, diante de adversidades.

E lembre-se de manter a positividade tóxica distante da conversa.

psicóloga Vila Mariana Luana Nodari

Luana Nodari

Psicóloga na Vila Mariana
Atende adolescentes e adultos,
através da Terapia Cognitivo-Comportamental
CRP: 06/112356


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Sobre a Luana

Luana Nodari é Psicóloga especialista em Terapia Cognitivo-Compotrtamental (TCC) pela PUC e especialista em Neuropsicologia pelo IPqHC da USP. 
Possui outras formações em áreas da Psicologia e Neuropsicologia em universidades nacionais e internacionais. 

Atualmente, faz atendimentos particulares em sua clínica no bairro da Vila Mariana em São Paulo/SP, nas modalidades presencial e online | CRP 06/112356.